4.2.10

Fragmento de Ninguém

Habitamos uma cidade.
Dela recolhemos hálitos e narizes.
Línguas e pedaços de orelhas do chão.
Os olhos são os únicos órgaos que flutuam no ar.
Como navaçhas suicidas
procurando um muro para se encostarem.
Somente aos olhos é permitido tocar a distância.

De Caê Guimarães - livro Por Baixo da Pele Fria - Massao Ohno Editor

28.8.09

Cantico

Quisera ser assim: livre:E então te levaria, na palma da minha mão, nos rumos da estrela guia, a conhecer magias e paisagens dos campos do bem querer. E o meu riso seria claro e límpido. E não haveria limites nem horizontes que nos guardassem. E te mostraria a rota de todas as estrelas e conheceríamos o percurso de todos os mares. E se acaso encontrássemos o final do arco-íris, nao nos prenderia o ouro do pote - nossos olhos, sim, se renovariam em suas cores. E eu te cobriria de sonhos.

Queria ser assim: decidido.E eu te indicaria o caminho certo e nao deixaria, em ti, dúvidas sobre o nosso destino. E em cada encruzilhada minha voz soaria clara e definida: esta é a direção, por aqui encontraremos uma clareira onde a grama é macia, as águas claras, a sombra amiga - faremos ali nossa paz. E eu te revelaria para onde segue o vento do outono, o que acontece com o sol da meia-noite, os mistérios que cercam o amanhecer. Eu saberia o tempo exato dos gestos, o momento preciso das palavras. E eu te cobriria de certezas.

Queria ser assim: seguro.Teria, então, os meios para acalmar os temores e os receios que rondam tuas noites. Te ensinaria a olhar de frente e para dentro de ti e te faria descobrir o que há além do que nos cerca. E este conhecimento seria a armadura a nos proteger dos medos que nos assaltam quando as luzes todas parecem apagar-se e não se distingue nem um raio de madrugada. E os meus braços seriam o forte onde repousarias os teus cansaços. E a minha voz seria o som a te despertar para a vida. E eu te cobriria de mansidão.

Mas nao sou assim - sou apenas tímido e fraco como todos os outros.

E é por isso que me encontras limitado pela minha insegurança, indeciso a tatear frases que me transfiram para ti.

É certo que muitas vezes te faço alegre com a minha alegria e o meu beijo tem a mornura suficiente para te aquecer.

Mas não é tudo.

Há momentos - estes são os mais dolorosos - em que me procuras amargurada e eu me mostro também carente e amargo, sem condições de te dar a segurança e o apoio que necessitas. E o que faço a nao ser oferecer-te o meu ombro e chorar contigo?

Dizes ser o bastante.

Talvez para ti - nao para mim, pois acho insuportável o teu sofrimento e, se pudesse, haveria somente risos em teus olhos, cantos em tua boca.

Me aceitas como sou, mas eu queria ser diverso e muito mais. E esta importência me dói e a impossibilidade de ser o porto seguro onde descansarias de tuas longas travessias me desarma.

Por isso me vês assim - um riso breve, um gesto frouxo, frases banais e, ao mesmo tempo, um desejo muito grande, intenso, sofrido de ternura e afeto. De busca e entrega.

E eu me divido. Pois metade de mim anseia por voar, correr, gritar e a outra metade me conserva preso aos valores que me impuseram desde cedo. Valores, cujos pesos e medidas, nao entendo. Dos quais, entretanto, nao consigo me libertar.

Me agrides e me causa dor - mas sei que a tua agressão é fruto das pressões que também sofres e eu sou o estuário que encontras à mão - e me agrada o fato: sempre é uma maneira de te possuir.

Me querias forte, eu sei, e eu nao sou; me querias rochedo, couraça para tuas fraquezas e eu sou planície onde apenas pode descansá-las; me querias fortaleza e sou nada mais que abrigo onde consegues, às vezes, te aquecer quando necessário.

Sou o que sou: homem e limitado.

Me perdoa.


De: Sergio Napp, em Para Voar na Boca da Noite - Editora Tchê
www.sergionapp.com

15.5.09

Falo poético

- resposta à Karina –

Detesto todos os poetas.

Os sujos,
feios,
gordos,
metidos
porcos ou egocêntricos.
Trato com educação.

Só não detesto as poetas.

As doces,
putas,
eróticas,
sexys,
exóticas ou excêntricas,
Trato com veneração.

Detesto todos os poetas,
mas alguns de seus poemas não.

Dama do lotação

- para a enfermeira do ônibus -

Todas minhas lindas mulheres
Preferem homens ricaços,
Mesmo que sejam feios,
A um nobre artesão.

Eu, meu ilustre alferes,
Um puta estardalhaço,
Nobre, mas sem dinheiro
Vivo só de ilusão.

24.4.09

O poeta pede a seu amor que lhe escreva

Garcia Lorca

Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de mordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

Desejo de sexta-feira:

uma radiola empoeirada
um LP de Vinícius
uma garrafa de vinho
uma taça mal lavada
uma lua cheia de nuvens
e um céu coberto de estrelas


7.2.09

Por que nos paramos em coisas tão idiotas
como
o que ela quis dizer com isso

Por que essa mania de ser de(ma)s(iadamente) humano

que coisa chata

chatos sao paranteses em poemas

és tu pranto às palavras